Ele arrancou com os dentes a pele que insistia em ficar pendurada ao lado das unhas roídas. No sofá em que acabara de sentar, um buraco no lugar ao seu lado indicava que alguém levantara dali havia pouco tempo. Perguntou à recepcionista o quanto ia demorar. Precisou fazê-lo duas vezes para desviar sua atenção da televisão, que falava algo sobre declaração de impostos.
A recepcionista vestia um uniforme todo azul-claro com a parte inferior da saia um pouco amassada, talvez de tanto limpar nela a lente de seus exagerados óculos que embaçavam constantemente por causa do ar-condicionado muito próximo. Pouquinho, ela disse como quem não quer incomodar a televisão. Vai demorar só mais um pouquinho.
Mentira, ele pensou. O buraco ainda fundo e quente ao lado provava isso. Tinha o costume de atribuir aos sofás de sala de espera a função de ampulhetas. No momento em que o lugar desocupado ficasse liso novamente e, o seu, suficientemente fundo e quente, seria como se a areia passasse para o seu lado do sofá e ele seria finalmente chamado. Como acreditar naquelas lentes embaçadas se a mobília dizia exatamente o contrário? Não é à toa que pessoas como eu são conhecidas como "pacientes", ele pensou.
No momento em que levantou para ir até o balcão enfrentar a recepcionista munido de sua teoria sobre sofás e ampulhetas, o paciente ouviu um barulho vindo da porta. Alguém a puxou antes de perceber que deveria empurrá-la. Após superar as adversidades do puxa-empurra comum em consultórios e portarias de prédios, um homem esquelético ganhava a sala de espera e vice-versa. Seus passos lentos o conduziam até o sofá, para o qual o paciente voltava a passos bem mais velozes e temerosos em perder a profundidade conquistada na almofada ao longo da última meia hora.
De nada adiantou. O esquelético sentou ali mesmo. Meteu sua mão enrugada no bolso direito das calças e dele tirou uma carteira de dinheiro, outra de cigarros, um isqueiro e alguns papéis amassados que pôs junto às revistas dispostas no criado mudo ao lado. Após fazê-lo, respirou alto como quem pensa alto que está cansado e impaciente.
O paciente, ainda de pé e irritado com a secretária mentirosa e o esquelético impaciente, procurou disfarçar sua frustração fingindo se aproximar da televisão para ouvir melhor. Estava bem no meio dos comerciais, mas não lhe ocorreu idéia melhor do que puxar a porta e ir embora, o que seria o mesmo que se dar por vencido. Além disso, percebeu ter uma vantagem sobre seu oponente: pelo menos uns dez quilos a mais.
Confiante, voltou para o sofá e sentou com força na almofada ao lado do impaciente, que mesmo impulsionado repentinamente para cima permanecia impassível. Em poucos minutos, as almofadas já estavam com quase a mesma profundidade. Só mais um pouco, ele pensou recordando a mentira da recepcionista. O olhar embaçado agora se dirigia ao sofá e convidava o impaciente esquelético a entrar na sala de consulta, chegando a referir-se a ele como 'preferencial'. Um traste trapaceiro, isso sim, praguejou o paciente enquanto se dava por vencido.
A recepcionista vestia um uniforme todo azul-claro com a parte inferior da saia um pouco amassada, talvez de tanto limpar nela a lente de seus exagerados óculos que embaçavam constantemente por causa do ar-condicionado muito próximo. Pouquinho, ela disse como quem não quer incomodar a televisão. Vai demorar só mais um pouquinho.
Mentira, ele pensou. O buraco ainda fundo e quente ao lado provava isso. Tinha o costume de atribuir aos sofás de sala de espera a função de ampulhetas. No momento em que o lugar desocupado ficasse liso novamente e, o seu, suficientemente fundo e quente, seria como se a areia passasse para o seu lado do sofá e ele seria finalmente chamado. Como acreditar naquelas lentes embaçadas se a mobília dizia exatamente o contrário? Não é à toa que pessoas como eu são conhecidas como "pacientes", ele pensou.
No momento em que levantou para ir até o balcão enfrentar a recepcionista munido de sua teoria sobre sofás e ampulhetas, o paciente ouviu um barulho vindo da porta. Alguém a puxou antes de perceber que deveria empurrá-la. Após superar as adversidades do puxa-empurra comum em consultórios e portarias de prédios, um homem esquelético ganhava a sala de espera e vice-versa. Seus passos lentos o conduziam até o sofá, para o qual o paciente voltava a passos bem mais velozes e temerosos em perder a profundidade conquistada na almofada ao longo da última meia hora.
De nada adiantou. O esquelético sentou ali mesmo. Meteu sua mão enrugada no bolso direito das calças e dele tirou uma carteira de dinheiro, outra de cigarros, um isqueiro e alguns papéis amassados que pôs junto às revistas dispostas no criado mudo ao lado. Após fazê-lo, respirou alto como quem pensa alto que está cansado e impaciente.
O paciente, ainda de pé e irritado com a secretária mentirosa e o esquelético impaciente, procurou disfarçar sua frustração fingindo se aproximar da televisão para ouvir melhor. Estava bem no meio dos comerciais, mas não lhe ocorreu idéia melhor do que puxar a porta e ir embora, o que seria o mesmo que se dar por vencido. Além disso, percebeu ter uma vantagem sobre seu oponente: pelo menos uns dez quilos a mais.
Confiante, voltou para o sofá e sentou com força na almofada ao lado do impaciente, que mesmo impulsionado repentinamente para cima permanecia impassível. Em poucos minutos, as almofadas já estavam com quase a mesma profundidade. Só mais um pouco, ele pensou recordando a mentira da recepcionista. O olhar embaçado agora se dirigia ao sofá e convidava o impaciente esquelético a entrar na sala de consulta, chegando a referir-se a ele como 'preferencial'. Um traste trapaceiro, isso sim, praguejou o paciente enquanto se dava por vencido.
2 comentários:
Sofá e revistas de consultório são provas cabais que denunciam as horas que se tem que esperar. Aqueles, quentes e fundos, estas amarrotadas e com folhas rasgadas do desassossego.
Ô coisinha ruim é esperar!
Nem!
Mais um excelente para sua coleção.
abç.
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