sábado, 27 de março de 2010

Guardanapo

É um chinelo sem par no meio da rua, é a sombra esguia que dobra a esquina, é a praça deserta tomando banho de chuva. É o triunfo solitário da trapaça jamais descoberta, o medo necessário de ser desnecessário, o travesseiro de pregos sobre a cama em chamas. É uma coceira na ponta dos dedos, é um espirro de olhos abertos, é uma ferida nômade. É a lágrima seca, a garganta molhada, o pulmão turvo e a veia de sempre. É o peito vazio.

É o talvez, é o será, é o poder, é o pudor, é a dor. É o vento lascivo que acaricia sem cortejar, é o sussurro da brisa espalhando segredos torpes, é um pêlo que se arrepia sozinho e envergonhado no meio do braço. É a agonia de dizer, é o pavor de escutar, é a paciência de uma folha de papel. É a eternidade discreta que habita as coisas, tudo que passa, tudo que é descartável. É a obra-prima num guardanapo, é a boca suja.