domingo, 20 de setembro de 2009

Ao vivo

Estamos ao vivo. Vamos lá, só eu e você. Pensando bem, não sei. Alguém se aproximou do quarto em que estou e escondi essa linha. Disfarcei, fingi que estava fazendo outra coisa. Pra ser bem sincero, fingi que não estava fazendo nada. Até o ócio e a inércia me parecem menos embaraçosos do que estar aqui, fazendo isso. Você é só minha imaginação e eu cá no meu espelho imaginário me vejo conversando com minha imaginação imaginária. E se o espelho quebrasse, você perguntou? Então devo ter sido eu. Bem, se o espelho quebrasse, seriam milhares de cacos imaginários espalhados pelo chão. E eu não saberia qual desses cacos seria meu reflexo mais fiel. Estaria esparramado por aí, sem saber onde começo nem onde termino.

Orgulhamos egos, magoamos sorrisos, caímos, levantamos, perdemos migalhas de pão pelo caminho, vimos o mundo por um filtro de grades, vimos o mundo sem filtro nenhum e não sabemos como foi pior. Despistamos nossas sombras, mordemos panos, levamos choques e ainda existe uma alfândega entre nós. Não entenderam o que explicamos nem entendemos o que nos explicaram. Talvez o espelho já esteja quebrado e os cacos recolhidos, amontoados uns sobre os outros como se fossem uma coisa só. Como se fossem uma coisa só e não se refletissem contradizendo uns aos outros no meio dessa multidão solitária. Se somos uma casa de espelhos mal-assombrada? Acho que sim. E acho que somos nós que a assombramos.

Sim, entendo que o espelho é imaginário, assim como você. Mas estamos ao vivo, não há tempo para nos fantasiarmos de reais. Se o espelho não existe, então quem é aquele sujeito tão familiar refletido nele? Você é a imaginação imaginária de um eu imaginário, se conforme de uma vez por todas com isso. E com o fato de estarmos ao vivo e sem migalhas para marcar o caminho de volta. Ao invés disso, só temos cacos de vidro e não queremos voltar pisando sobre eles enquanto refletem a dor em nossos pés. É o espelho a se vingar, imaginário uma ova. Só podemos ir em frente, desgovernados, escrevendo e desenhando coisas na parede do quarto sem a disposição para jamais pintá-la de novo. O bom é lembrar, o ruim é do quê.

E quando você for embora, favor deixar uma lembrança qualquer, um recado disforme e cheio de rasuras na parede, para que eu possa ficar imaginando como ele foi parar ali e quem o deixou. E assim vai restar um caco seu no meio dos meus intermináveis e incomeçáveis.

Estamos vivos. Vamos lá.