derivado do post anterior, "Bastidores de um conto"
Procurando a interrogação, Fulano tentava conservar na cabeça a idéia que havia tido para usar após a pergunta de seu personagem. Acontece que a velha máquina de escrever tinha metade das teclas com suas inscrições apagadas, atribuindo a Fulano a árdua tarefa de ter na cabeça não apenas o enredo da história, como também a posição de cada caractere no teclado. Escritor medíocre que era, o era também para encontrar as teclas certas e precisava freqüentemente prender outra folha para reescrever tudo. Ao invés da interrogação, esbarrou num absurdo sinal de adição que nada adicionava à sua história. Seu personagem ficaria sem resposta mais uma vez.
Arrancou o papel da máquina, conservando-o ao lado enquanto copiava tudo na nova e, esperava ele, definitiva folha. Durante todo o procedimento, Fulano contemplava o teclado a imaginar onde raios estaria a maldita interrogação. Às vezes imaginava se não lhe valeria mais a pena ter todos os botões do teclado com suas respectivas inscrições mesmo que sequer funcionassem, mas sabia que isso não passava de um devaneio convidado à mesa pelo crescente cansaço.
Chegando ao ponto culminante, teve medo de chamar pela interrogação e ser atendido pelo ponto-e-vírgula ou pelo cedilha e continuou a apenas contemplar aquele teclado mudo, como se esperar o bastante fosse ajudar a gravar os caracteres ausentes na velha máquina. Outro devaneio, sabia, e sabia também que todos os teclados eram mesmo mudos. O que lhe incomodava naquele era que as teclas não davam satisfação alguma, privando-lhe do controle total sobre a situação. Se sentia pequeno e mecânico, um mero instrumento que aquela máquina usava para criar vida esporadicamente. Olhando ao redor, percebeu a casa onde morava tão velha quanto a máquina de escrever e, com seus barulhos e estalos, mais viva à medida que o tempo passava. Pensou que ia morrer um dia e que a casa e a máquina provavelmente ainda existiriam, assim como as fotos amareladas que guardava debaixo da cama ficavam mais expressivas quanto mais amarelas e, o vento nas janelas, mais melódico quanto menos conservadas estas estivessem.
Evitando encarar a máquina, se deu conta de que qualquer monumento com cerca de 150 anos de existência ou tartaruga em crise de meia-idade estava na Terra havia mais tempo do que todo ser humano vivo e que nenhuma única pessoa testemunhou boa parte da História contada, ensinada, escrita, debatida, estudada, lida, aprendida. Depois que todos os seres humanos que existiam em séculos passados foram extintos e substituídos por outros, todos os passos, bocejos, beijos, dores, mentiras e outros detalhes de igual minúcia foram sepultados para sempre junto a seus respectivos autores e o mesmo aconteceria a ele e a qualquer um que conhecia ou já ouvira falar. Seriam todos como teclas mudas.
Fulano se sentiu só em nome de todas as pessoas que existiam juntas naquele momento. Pegou uma caneta e desenhou à mão uma interrogação no fim do último parágrafo que escrevera. Seu personagem ficaria melhor sem resposta
Procurando a interrogação, Fulano tentava conservar na cabeça a idéia que havia tido para usar após a pergunta de seu personagem. Acontece que a velha máquina de escrever tinha metade das teclas com suas inscrições apagadas, atribuindo a Fulano a árdua tarefa de ter na cabeça não apenas o enredo da história, como também a posição de cada caractere no teclado. Escritor medíocre que era, o era também para encontrar as teclas certas e precisava freqüentemente prender outra folha para reescrever tudo. Ao invés da interrogação, esbarrou num absurdo sinal de adição que nada adicionava à sua história. Seu personagem ficaria sem resposta mais uma vez.
Arrancou o papel da máquina, conservando-o ao lado enquanto copiava tudo na nova e, esperava ele, definitiva folha. Durante todo o procedimento, Fulano contemplava o teclado a imaginar onde raios estaria a maldita interrogação. Às vezes imaginava se não lhe valeria mais a pena ter todos os botões do teclado com suas respectivas inscrições mesmo que sequer funcionassem, mas sabia que isso não passava de um devaneio convidado à mesa pelo crescente cansaço.
Chegando ao ponto culminante, teve medo de chamar pela interrogação e ser atendido pelo ponto-e-vírgula ou pelo cedilha e continuou a apenas contemplar aquele teclado mudo, como se esperar o bastante fosse ajudar a gravar os caracteres ausentes na velha máquina. Outro devaneio, sabia, e sabia também que todos os teclados eram mesmo mudos. O que lhe incomodava naquele era que as teclas não davam satisfação alguma, privando-lhe do controle total sobre a situação. Se sentia pequeno e mecânico, um mero instrumento que aquela máquina usava para criar vida esporadicamente. Olhando ao redor, percebeu a casa onde morava tão velha quanto a máquina de escrever e, com seus barulhos e estalos, mais viva à medida que o tempo passava. Pensou que ia morrer um dia e que a casa e a máquina provavelmente ainda existiriam, assim como as fotos amareladas que guardava debaixo da cama ficavam mais expressivas quanto mais amarelas e, o vento nas janelas, mais melódico quanto menos conservadas estas estivessem.
Evitando encarar a máquina, se deu conta de que qualquer monumento com cerca de 150 anos de existência ou tartaruga em crise de meia-idade estava na Terra havia mais tempo do que todo ser humano vivo e que nenhuma única pessoa testemunhou boa parte da História contada, ensinada, escrita, debatida, estudada, lida, aprendida. Depois que todos os seres humanos que existiam em séculos passados foram extintos e substituídos por outros, todos os passos, bocejos, beijos, dores, mentiras e outros detalhes de igual minúcia foram sepultados para sempre junto a seus respectivos autores e o mesmo aconteceria a ele e a qualquer um que conhecia ou já ouvira falar. Seriam todos como teclas mudas.
Fulano se sentiu só em nome de todas as pessoas que existiam juntas naquele momento. Pegou uma caneta e desenhou à mão uma interrogação no fim do último parágrafo que escrevera. Seu personagem ficaria melhor sem resposta