segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Edredon azul amassado

Sentado ao lado da cama, procuro um espaço para mim junto ao edredon que, azul e amassado ao longo dela, move-se vez por outra revelando numa das extremidades três unhas de pé pintadas. De que cor, não posso saber. O escuro do quarto me esconde quase tantos segredos quanto o azul do edredon, do qual só tenho conhecimento por já tê-lo visto antes à luz do dia.

Não que não tenha visto também as unhas antes, ou mesmo o pé inteiro, mas lembrar das suas cores seria tão absurdo quanto lembrar do brinco que ela tirou antes de se esconder lá embaixo. Sei que elas não são azuis. Nem amassadas. Apenas se ocupam em amassar aquele azul ainda mais, revelando na extremidade oposta alguns fios do cabelo castanho cujo corte jamais notei. Ou foi uma pintura? Não lembro ao certo, mas parecem mesmo um tanto amassados agora... Minha vista viaja pelos contornos do edredon, se demorando mais que o normal em cada parada para trapacear a escuridão. Se eu fosse um pintor, copiaria cada ausência de contraste que vejo agora, cada falta de detalhe e cada defeito dessa cena, incluindo os meus próprios, já que sequer saberia que cores usar. Mas ao invés de um pintor sem tintas, me contento em ser um escritor sem palavras.

Quando o dia amanhecer, continuarei sem lembrar de que cor são aquelas unhas ou perceber o corte do cabelo, pois lembro melhor da cor e da textura do edredon azul amassado que no escuro continua a ser azul e amassado. Dela recordo apenas da respiração lenta e pausada, do brilho que os olhos emanam mesmo quando fechados, dos pés se esfregando um no outro a qualquer barulhinho ou antes de cada mudança de posição, das batidas do seu coração ecoando pelo colchão quando deitada de bruços e do progressivo distanciamento entre sua cabeça e o travesseiro ao longo da noite.

Ao acordar, ela vai trocar de lado e puxar o azul e já bastante amassado edredon em sua direção e cobrir o rosto até se conformar com a idéia de levantar. A respiração vai acelerar, os olhos vão brilhar mesmo ainda sendo esfregados, os pés vão tocar hesitantes o chão frio e as batidas do seu coração vão ecoar em mim durante um abraço de bom dia. Não é por não ter tintas ou palavras que deixo de ter sentimentos e nem ela, mesmo coberta, deixa de ser linda.


3 comentários:

raquelholanda disse...

Caio, Caio, que texto mais liiiindo!!
Se estivesse em um livro, estaria por mim marcado, cheio de indicações e na cabeceira da minha cama. Seria um dos preferidos e mais indicados.
E com essa música, então...

Renata disse...

Acredita que só agora fui saber da existência desse teu texto,datado de 22 de dezembro?! Tão bonitinho! Mas quem é essa criatura cujas unhas do pé são pintadas,hein? Hunf!
Ah,e dessa vez lembrei de colocar a música pra tocar!
Te amo.

Ticiana de Castro disse...

Muito lindo o texto e a sensibilidade.