quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Fe(i)tos

Lembro de ouvir os sinos soarem ao último suar de seus poros. Olhos alheios, em luto vermelho, irrigariam os dias seguintes para compensar a ausência recente daquela transpiração inacabada. E seria isso. Seria só. Seríamos sós, todos juntos. Quantos já fomos até enfim nos tornarmos homens feitos de amizades desfeitas? Quantos outonos de primaveras suicidas caíram sobre nossas cabeças? Era quando matávamos o tempo, sem nos preocupar com o contrário, que somente os meses nos devoravam. Mas hoje são os segundos, mais numerosos e famintos, à espreita do nosso suor.

Desde que você fez do silêncio seu hino, tem sido impossível não entoá-lo alto a ponto de incomodar todos ao meu redor. E logo após assistir o mundo lhe engolir os poros caminhei pelas ruas a cantarolar nota por nota da melodia, fluentemente, e depois tropeçando em arroubos de emoção e sarjetas imprevistas. Notei que algumas pessoas se juntavam ao coro. Cantavam junto, mas não me correspondiam lágrimas nem dentes. O silêncio, no entanto, era retumbante em meio a toda aquela confusão do Centro. Podia-se ouvi-lo entre os gritos, passos, motores, buzinas e caixas de som. Cantamos seu hino tão alto, amigo, que até os surdos escutaram. Os mudos, esses cantaram do início ao fim.

Ruas inteiras se erguiam diante dos meus pés a cada esquina que surgia e seu hino tocava em algum lugar de todas elas, não importava quão barulhentas fossem. Era como o sol secreto da noite, a melancolia dos sorrisos, a distância dentro de um abraço, a coragem diluída em cada medo. Era como a amizade feita de um homem desfeito.