Ele olha para todos os que estão ali e para ninguém ao mesmo tempo. A massa composta por corpos, roupas e rostos que se mexem sem sair do lugar na arquibancada do anfiteatro parece um ninguém gigante alimentado por vários alguéns. "Quanto mais indivíduos, menos individualidade", ele pensou enquanto desviava o olhar para os próprios olhos e percebia que aquilo sequer era necessário, afinal, era em meio à mesma arquibancada que eles também estavam e talvez por isso parecesse impossível contemplá-los com tanta facilidade.
Ainda sem conseguir tirar os olhos da arquibancada, ouviu as primeiras notas do solo de guitarra que vinha do palco: distante dos corpos, roupas e rostos, mas presente em cada movimento, cada tecido e cada expressão ali ausente. Cerrou os olhos que há pouco não conseguia distinguir em meio à multidão e assim pôde encontrá-los, fechados por fora, mas abertos por e para dentro. O sentimento de dormência sumia a cada compasso e cada nota era um solo por si só, suas individualidades agrupadas num alguém-ninguém imponente que varria do chão e do céu todo e qualquer vestígio de vaidade.
Ninguém o avisou que seus olhos estavam fechados e talvez por isso assim os manteve. Não sabia como, mas o controle lhe escapava com as notas que desfilavam sem fim e com o lamento de cada uma delas ao se despedir. Sonhou por um segundo como quem passa dias acordado e se apegou ao lamento, quis que não acabasse, quis comprá-lo, vendê-lo, vender-se para perpetuar aquela sensação como algo seu. Sonhou acordado e, por isso, acordou sonhando. Sentiu o mundo girar, o tempo soprar e os cabelos crescerem.
Ainda sem conseguir tirar os olhos da arquibancada, ouviu as primeiras notas do solo de guitarra que vinha do palco: distante dos corpos, roupas e rostos, mas presente em cada movimento, cada tecido e cada expressão ali ausente. Cerrou os olhos que há pouco não conseguia distinguir em meio à multidão e assim pôde encontrá-los, fechados por fora, mas abertos por e para dentro. O sentimento de dormência sumia a cada compasso e cada nota era um solo por si só, suas individualidades agrupadas num alguém-ninguém imponente que varria do chão e do céu todo e qualquer vestígio de vaidade.
Ninguém o avisou que seus olhos estavam fechados e talvez por isso assim os manteve. Não sabia como, mas o controle lhe escapava com as notas que desfilavam sem fim e com o lamento de cada uma delas ao se despedir. Sonhou por um segundo como quem passa dias acordado e se apegou ao lamento, quis que não acabasse, quis comprá-lo, vendê-lo, vender-se para perpetuar aquela sensação como algo seu. Sonhou acordado e, por isso, acordou sonhando. Sentiu o mundo girar, o tempo soprar e os cabelos crescerem.
Foi o susto que o fez abrir as cortinas dos olhos. O solo havia caído no improviso e o ninguém gigante já não era mais um coro. Se tornara vulnerável aos novos lamentos, cada vez mais insistentes e por vezes até desafinados, os erros mais assíduos à medida que o solo crescia. "A vida é improvisada. É preciso improvisar e é preciso errar e a única certeza que preciso é a de que estou aprendendo com cada erro", pensou, apesar de não ser ele o homem empunhando a guitarra que dava luz aos lamentos. "Sem a possibilidade de erro, o improviso morre e com ele morrem todas as outras. Nada vou aprender com a precisão dos acertos, pois preciso mesmo é o improviso".
Ao notar que os corpos, roupas e rostos se emancipavam do ninguém gigante, lembrou que as notas fizeram o mesmo com o solo. Mais uma vez não sabia como, mas em algum momento pessoas e notas divergiram de suas origens e, pervertidas, se misturaram na mesma causa libertária. Agora a nota era um solo, o corpo uma dança, a roupa uma pele, e, o rosto, um sentimento. Tudo havia se invertido, mas no meio disso tudo a música ainda fazia sentido.
E enquanto a guitarra articula gentilmente seus últimos e comovidos lamentos, ele olha para si e para todos os que estão ali ao mesmo tempo.
Inspirado na letra de 'While My Guitar Gently Weeps'
5 comentários:
'I look at the world and i notice it's turning
With every mistake we must surely be learning'
Só espero está aprendendo de verdade.
Beijos, Lennon.
'speesly'
estar, Renatinha, estarrr!
'qmqbtcsf'
Não dá para acreditar o que tu faz com as palavras...
Gosto em demasia delas quando são por ti manipuladas.
Abç.
Vale uma observação:
"Enquanto minha guitarra lamenta gentilmente" está em 1ª pessoa e o texto está em 3ª pessoa. Será o Caio, o personagem descrito por "ele"?
Fico bem feliz que tenha gostado dos versos meus.
Ok, ok. Concordo com a sua idéia sim, ora pq não envolver todos que estavam presentes?!
Porém, o que eu quis em verdade dizer é que o título está escrito em 1ª pessoa, e que o texto está narrado em 3ª pessoa. Então, será o "ele" da história o "Caio-autor"?!
rsrs... mas valeu a idéia, a contabilidade, a discussão sobre o texto, tão interessante que é.
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