sexta-feira, 20 de julho de 2012

Fome

Me dê fantasia, pois tenho fome do impossível
Das rugas que deformam os segundos em horas
De deuses ateus decompostos em trincheiras
De quadros pendurados em paredes tortas
E vozes escorrendo pelos bueiros da cidade suja
E corpos se invadindo escondidos dos outros corpos
E rostos e mãos e pés e sardas, umbigos e sinais
Tenho fome do impossível que me habita
E de vomitar o silêncio ancorado nas minhas entranhas

Em abismos rodeados de respostas e vertigens
Onde sobreviver é não duvidar nem se mover
Cada passo constrói um labirinto trancado sob os pés
E um cemitério de ideais se ergue atravessando os céus
Fecundando nuvens estéreis que gozam sobre o cimento
Enquanto alguns corpos vadiam à beira do abismo
Sacodem leques e suam sobre cadeiras de praia
E falam sobre leques e cadeiras de praia
Protegidos pela sombra da lápide de bilhões de andares
Onde o impossível repousa

Quando minha fome mapeou minhas perversões
Percorreu meu corpo com lambidas hipnóticas e unhas compridas
Com sussurros depravados e mordidas distraídas
Gemidos impronunciáveis, lábios inquietos, cílios e músculos
Tudo consentido, de perto e de luzes acesas
Que me alimentem fantasias impossíveis de beira de abismo
Mas que não me encerrem em fomes insaciáveis

E de tanto tentar recordar a fisionomia das sombras
Esqueceu da fisionomia dos espelhos
Foi ao cemitério de ideais
Salivou sobre as lápides
E vomitou uma âncora

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