Me dê fantasia, pois tenho fome do impossível
Das rugas que deformam os segundos em horas
De deuses ateus decompostos em trincheiras
De quadros pendurados em paredes tortas
E vozes escorrendo pelos bueiros da cidade suja
E corpos se invadindo escondidos dos outros corpos
E rostos e mãos e pés e sardas, umbigos e sinais
Tenho fome do impossível que me habita
E de vomitar o silêncio ancorado nas minhas entranhas
Em abismos rodeados de respostas e vertigens
Onde sobreviver é não duvidar nem se mover
Cada passo constrói um labirinto trancado sob os pés
E um cemitério de ideais se ergue atravessando os céus
Fecundando nuvens estéreis que gozam sobre o cimento
Enquanto alguns corpos vadiam à beira do abismo
Sacodem leques e suam sobre cadeiras de praia
E falam sobre leques e cadeiras de praia
Protegidos pela sombra da lápide de bilhões de andares
Onde o impossível repousa
Quando minha fome mapeou minhas perversões
Percorreu meu corpo com lambidas hipnóticas e unhas compridas
Com sussurros depravados e mordidas distraídas
Gemidos impronunciáveis, lábios inquietos, cílios e músculos
Tudo consentido, de perto e de luzes acesas
Que me alimentem fantasias impossíveis de beira de abismo
Mas que não me encerrem em fomes insaciáveis
E de tanto tentar recordar a fisionomia das sombras
Esqueceu da fisionomia dos espelhos
Foi ao cemitério de ideais
Salivou sobre as lápides
E vomitou uma âncora
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