A Cidade da Luz agoniza no escuro
E quando o Sol não está olhando, se produz
Ostenta luzes cintilantes
Exala o perfume das fossas
Se esfrega no vômito bulímico da sarjeta
Uma muralha de prédios delineia seu decote
Em seu colo, lápides de luxo à beira mar
Onde os cadáveres ganham (a) vida
Suas fronteiras sempre em movimento
Fronteiras que andam, comem, vivem, matam e dormem
Que compram, viajam, votam e penteiam os cabelos
Milhões delas, incorporando e invadindo umas às outras
Lambendo os pés das fronteiras maiores como faz o mar
Como se nas suas salivas também boiasse merda
A sinfonia de sirenes, buzinas e ondas
A fricção dos portões que abrem, fecham e prendem
Vozes em uníssono orquestrando o caos
Frequências invisíveis atravessando nossos poros
São mentiras sutis que alimentam os dias
Entre a pulsação do tempo e a dilatação do espaço
Vendo corpos que pulsam, se dilatam e se alimentam
A mimese dos dias é a mimese dos corpos
Que é a mimese dos sentidos
Um homem afônico empunha orgulhoso seu megafone
Sua sombra triunfante na calçada impressiona os surdos
Que contam para os cegos sobre o homem e seu megafone
Perguntam-se que mensagens misteriosas ecoam dali
Sobre liberdade, amor, justiça, coragem
O homem e seu megafone inspiram a multidão
Os cegos sonham em poder procurá-lo
Os surdos sonham em ouvir suas palavras
E todos se tornam melhores compartilhando suas virtudes
Tudo por causa de um homem afônico, cego e surdo
Que não enxerga o megafone que tem nas mãos
Nem percebe que ele está desligado
Nem tem mensagem nenhuma a passar
A não ser a que já estava adormecida nos demais
A cidade progrediu e até a medicina avançou
Os cegos passaram a enxergar e, os surdos, a escutar
Só não conseguiram curar o homem do megafone
Até que, anos depois, decidiram matá-lo
Pois ele dependia de máquinas para mantê-lo vivo
Mas quem não depende?
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