domingo, 2 de dezembro de 2007

O gordo e o insone

baseado em http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL42503-5602,00.html

"Tem noites em que minha consciência pesa mais que minhas pálpebras. Nessas noites, ao contrário de outras, sair de perto de mim não é uma opção. Sou assombrado e assombração", disse o insone após um longo período de silêncio.

O vento respondeu com um assobio, como se estivesse debruçado na janela de vidro atrás dele. Para disfarçar o susto, esfregou os olhos e, por cima do ombro, olhou para a parede. Os dois ponteiros apontavam para o número cinco. "Manhã ou tarde?", perguntou olhando por cima do outro ombro. "Tarde.", limita-se a responder um homem gordo e suado, sua única companhia naquela noite, enquanto lavava a louça suja atrás do balcão onde havia deixado seu enorme paletó.

Após mais um longo discurso proferido pelo silêncio, o insone continuou, olhando fixamente para a tela do computador e aparentando uma serenidade imprevista: "Horas como a de agora são as mais fáceis, quando a consciência acorda e todo o resto vai dormir". O gordo se aproxima, arrasta uma cadeira até perto do computador e, mais uma vez por cima dos ombros do insone, protesta: "Sempre achei que eram as horas mais difíceis, quando ela fica por si só, não?"

"Mas se ela for pesada como a minha e o objetivo for passar onze dias sem dormir, serão as horas menos conturbadas", explicou o insone enquanto rodava 180 graus na cadeira. Agora os dois estavam de frente um para o outro. E continuou:"Então tudo o que me forma está em repouso, a não ser a única coisa capaz de tirar o sono de qualquer pessoa". O gordo pergunta, quase interrompendo "Então, nesse exato momento, você é o assombrado ou a assombração?".

"Como eu disse, não tenho a opção de sair de perto de mim, pelo menos até daqui a sete dias. Aliás, nem você, já que esse bar está fechado até lá e vocês têm que fiscalizar se bato ou não o recorde, não é? Então acho que é você quem está me assombrando", falou o insone com um tom desafiador. O gordo levanta-se da cadeira, olha para baixo e discorda: "Mas eu só fico nesse bar durante o turno da noite. Depois disso, vou para casa dormir e o sujeito do outro turno entra. Já você está o tempo todo aqui há quatro dias. Como eu poderia ser a assombração, e não você, se é por sua causa que estou aqui?"

A sombra do gordo se projetava sobre o insone, cobrindo-o um espectro largo e disforme que ofuscava por completo os ainda tímidos raios de sol que surgiam da janela, como um eclipse. De algum lugar entre toda a penumbra, a voz do insone respondeu: "Uma coisa lhe digo, com certeza você pesa mais que minhas pálpebras".

O insone continuou como tal nas sete noites seguintes. Completados os onze dias, o gordo, que jamais viria a emagrecer, foi para casa. Desde então, os dois se encontraram por acaso algumas poucas vezes, em alguns poucos lugares, até esquecerem completamente um do outro.


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