"Você acredita em vida após a morte?", perguntou o franzino lá do canto após um longo período de silêncio entre os dois. "Vou lhe dizer no que acredito", respondeu o outro, "pra mim essa história de vida após a morte é a maior conversa fiada. Eu acredito em morte após a vida e pronto". O franzino mudou de posição, não por se sentir incomodado, mas porque obtivera a resposta que esperava para engatar o assunto. Sorriu brevemente, como de praxe fazia nessas situações, e perguntou outra vez "E o que você acha que acontece depois disso tudo aqui? Vamos simplesmente deixar de existir, pensar, sentir?".
Agora era o outro que conseguia não a resposta, mas a pergunta que queria, e a respondeu explicando "Você só refuta essa idéia porque não é capaz de imaginar como seria a sensação de não existir. Tudo bem, eu também não sou, mas aceito que, o que quer que exista ou não além de nós, é algo que pelo visto foi feito para não ser percebido, se é que foi feito algum dia. Por isso lhe digo: já que não sabe mesmo qual será o destino, apenas aproveite o passeio!". "Então sou só um curioso?", o franzino ironizou. "E dos piores", emendou o outro.
"Não é só curiosidade nem é só minha. Você estaria mentindo se dissesse que também não sente a existência de um projeto maior. É uma tendência do ser humano especular sobre essas coisas, eu sei, mas o que seria da alegria não fosse nossa tendência a procurá-la? Nunca a vi nem toquei, mas sou capaz de sentir e até de nomear isso, assim como você também é". "Então sou só um mentiroso?", o outro parodiou. "E dos melhores", retrucou o franzino.
"Eu não lembro do dia em que nasci. E, se é para fazer como você e recorrer às adivinhações, acho que ninguém lembra do dia da morte também, sabe porque? Porque assim como quem existe não lembra de não ter existido antes, quem não existe não pode lembrar de alguma vez já ter existido". Quieto e pensativo, o franzino deixou de lado seus breves sorrisos para entender o complexo raciocínio que o outro expusera. A escuridão dominava o ambiente, mas nada além do que estavam acostumados. Frente a frente, os dois por vezes trocavam empurrões, disputando o minúsculo espaço que ora os unia, ora os separava.
"Veja o mundo", sugeriu o franzino. "Você não o acha pequeno e limitado demais?". "Não sei, é o maior em que já estive", o outro respondeu. "Deve haver algo além sim, um deus que foi capaz de entender que precisamos de alimento, ar, água e que nos fornece tudo isso", o franzino quase não conseguiu terminar a frase, à quase interrupção do outro: "E porquê Deus tem que ser bom? Aliás, não precisa sequer ser um ser! E se não houvesse deus nenhum, mas só uma força, uma lei física qualquer que determina o funcionamento de todas as outras?". "Aí ela seria Deus". A resposta do franzino deu ao outro o que pensar. Sentiu que Deus lhe havia posto em xeque, pois existia mesmo que não existisse! "Uma proeza", pensou.
"Não há nada indiferente à vista que não seja íntimo à alma. Só ela é capaz de ultrapassar o horizonte e nos contar daquilo que nunca vimos", o franzino explicou. De repente, ambos concordaram que o mundo era mesmo pequeno e limitado. O desconforto era quase insuportável, os dois debatiam-se com violência. O mundo tal qual conheciam desmoronava e por alguma razão, se sentiam responsáveis por tudo aquilo. Logo, o desconforto evoluiu para uma dor como nunca sentiram antes. O céu se rasgava e, da abertura, o branco mais intenso já visto saltava até eles como que para abduzi-los. Fecharam os olhos.
Aos poucos, a dor virava dormência e esta dava lugar a um desamparo crescente. Não havia mais nada além do clarão em suas vistas. Ao mesmo tempo, uma sensação de liberdade lhes dava a impressão de estarem flutuando de ponta-cabeça, embora sós, separados um do outro e de tudo o que conheciam. Estavam mais sós do que nenhuma vez estiveram até aquele dia que o outro havia pouco profetizara que jamais iria lembrar. A vontade de chorar era imensa e assim o fizeram. Choraram ambos, a plenos pulmões, já envoltos em panos limpos após a retirada do cordão umbilical.
Agora era o outro que conseguia não a resposta, mas a pergunta que queria, e a respondeu explicando "Você só refuta essa idéia porque não é capaz de imaginar como seria a sensação de não existir. Tudo bem, eu também não sou, mas aceito que, o que quer que exista ou não além de nós, é algo que pelo visto foi feito para não ser percebido, se é que foi feito algum dia. Por isso lhe digo: já que não sabe mesmo qual será o destino, apenas aproveite o passeio!". "Então sou só um curioso?", o franzino ironizou. "E dos piores", emendou o outro.
"Não é só curiosidade nem é só minha. Você estaria mentindo se dissesse que também não sente a existência de um projeto maior. É uma tendência do ser humano especular sobre essas coisas, eu sei, mas o que seria da alegria não fosse nossa tendência a procurá-la? Nunca a vi nem toquei, mas sou capaz de sentir e até de nomear isso, assim como você também é". "Então sou só um mentiroso?", o outro parodiou. "E dos melhores", retrucou o franzino.
"Eu não lembro do dia em que nasci. E, se é para fazer como você e recorrer às adivinhações, acho que ninguém lembra do dia da morte também, sabe porque? Porque assim como quem existe não lembra de não ter existido antes, quem não existe não pode lembrar de alguma vez já ter existido". Quieto e pensativo, o franzino deixou de lado seus breves sorrisos para entender o complexo raciocínio que o outro expusera. A escuridão dominava o ambiente, mas nada além do que estavam acostumados. Frente a frente, os dois por vezes trocavam empurrões, disputando o minúsculo espaço que ora os unia, ora os separava.
"Veja o mundo", sugeriu o franzino. "Você não o acha pequeno e limitado demais?". "Não sei, é o maior em que já estive", o outro respondeu. "Deve haver algo além sim, um deus que foi capaz de entender que precisamos de alimento, ar, água e que nos fornece tudo isso", o franzino quase não conseguiu terminar a frase, à quase interrupção do outro: "E porquê Deus tem que ser bom? Aliás, não precisa sequer ser um ser! E se não houvesse deus nenhum, mas só uma força, uma lei física qualquer que determina o funcionamento de todas as outras?". "Aí ela seria Deus". A resposta do franzino deu ao outro o que pensar. Sentiu que Deus lhe havia posto em xeque, pois existia mesmo que não existisse! "Uma proeza", pensou.
"Não há nada indiferente à vista que não seja íntimo à alma. Só ela é capaz de ultrapassar o horizonte e nos contar daquilo que nunca vimos", o franzino explicou. De repente, ambos concordaram que o mundo era mesmo pequeno e limitado. O desconforto era quase insuportável, os dois debatiam-se com violência. O mundo tal qual conheciam desmoronava e por alguma razão, se sentiam responsáveis por tudo aquilo. Logo, o desconforto evoluiu para uma dor como nunca sentiram antes. O céu se rasgava e, da abertura, o branco mais intenso já visto saltava até eles como que para abduzi-los. Fecharam os olhos.
Aos poucos, a dor virava dormência e esta dava lugar a um desamparo crescente. Não havia mais nada além do clarão em suas vistas. Ao mesmo tempo, uma sensação de liberdade lhes dava a impressão de estarem flutuando de ponta-cabeça, embora sós, separados um do outro e de tudo o que conheciam. Estavam mais sós do que nenhuma vez estiveram até aquele dia que o outro havia pouco profetizara que jamais iria lembrar. A vontade de chorar era imensa e assim o fizeram. Choraram ambos, a plenos pulmões, já envoltos em panos limpos após a retirada do cordão umbilical.