"A primeira coisa que você tem que saber é que ninguém coloca uma máscara no rosto pra se esconder", o velho explicou enquanto abria duas das portas de vidro do enorme armário que ocupava toda a parede de sua sala. Dali, tirou com cuidado desproporcional uma máscara que mais parecia uma venda, a não ser pelo fato de ter um buraco aberto para cada olho. Ainda de frente para o armário, prosseguiu, enquanto experimentava o disfarce: "Com uma dessas você poderia ser desde um criminoso até um super-herói, não concorda? Só depende de como você quer ser visto. E se quer ser visto, imagino que seja porque não quer se esconder. Se quisesse, não colocaria uma coisa dessas na cara".
Tirou a máscara, ajeitou desleixadamente os longos cabelos que emolduravam sua calvície e pôs-se a engomá-la na tábua posicionada logo ao lado do armário. "Não muito quente e com pouca força, que esse tecido é fino. O último que alugou trouxe a coitada de volta tão amassada que, quando vi, pensei que ela estivesse chorando, vê se pode!", e pendurou-a novamente no armário, ao lado de uma de lobisomem e outra de Lua. "Olha só essa", disse enquanto pegava a segunda. "Se eu te disser 'Ei, vai lá e faz uma máscara de Lua pra mim que eu quero ir fantasiado de Lua pra uma festa', você vai fazer uma parecida com essa, que eu sei. É minguante, né? Crescente, sei lá. E até se pedir pra uma criança desenhar uma lua, ela também vai fazer essa coisa parecida com a letra C. Sabe por quê?". O velho atravessou a sala com a máscara posta e abriu a janela, deixando a noite entrar. "Porque ninguém quer saber dela!", disse enquanto apontava para a lua cheia que flutuava no céu aquela noite, apresentando-a como se fosse uma aberração óbvia e indiscutível.
"Ninguém quer saber de tudo, nem ver tudo. Ninguém quer usar uma máscara de lua cheia, porque aquilo nem parece uma lua e dane-se o fato de que ela na verdade nunca seca. Aquilo não é uma lua, isso é!", e apontou para a máscara que mantinha no rosto. Voltou ao armário, guardou sua lua no lugar de onde a tirou e dessa vez pegou a que estava pendurada logo ao lado. "Agora, se não se importa, vou aproveitar essa noite de lua cheia pra virar um lobisomem, tudo bem?".
Sentado à beira da janela, se deixava ser contemplado pelos transeuntes, intrigados pela cena pouco convencional que aquele lobisomem lhes proporcionava. "A segunda coisa que você tem que saber é que não se conhece uma pessoa pelo que ela mostra, e sim pelo que ela esconde", explicou com a voz levemente abafada pela máscara que lhe tapava a boca. "Se somos capazes de esconder até a lua quase toda só pra pensar que ela é mais caprichada do que realmente é, é porque treinamos antes em nós mesmos para que pensem que somos mais crescentes, minguantes ou o que seja. É como se fôssemos todos luas cheias disputando um lugar ao sol".
Fechou a janela, tirou a máscara, devolveu ao armário. "Agora vê se escolhe logo alguma aí que eu já tô querendo fechar".
3 comentários:
Adorável. O personagem é simplesmente encantador. Yeah, eu excluo comentários.
Olha que palavra legal tenho que escrever pra comentar: cushoca.
Encontrei ao acaso, enquanto procurava mascaras para compra...
Texto Fóda !
Parabens ao autor !
Gostei Muito !
E entendi perfeitamente ...
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