sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Sombra

Ela me persegue sem trégua. Discreta, escandalosamente discreta, abusa das metáforas e antíteses enquanto sua negra presença arranha a parede branca. E lá está ela, sob a fraca luz do abajur, em sua vã e determinada perseguição. Perseguição? Às vezes me pergunto se ela não estaria especulando o mesmo sobre mim.. mas que direito tenho eu de suspeitar de seu comportamento se cá estou eu, discretamente escandalizado, arranhando o ar e abusando de metáforas e antíteses sob a fraca luz do abajur?

Eu a contemplo curioso durante alguns instantes e percebo que ela faz o mesmo comigo. Retido no meu efêmero mundo technicolor tridimensional, sinto ser eu a réplica morta daquele arranhão de penumbra que me fita pela parede, talvez até rindo-se do fato de que agora sou eu o entretido numa vã e determinada perseguição.

Enfim, réplicas mortas um do outro ou não, desligamos nossos abajures e tudo o que me resta agora é uma enorme sombra de dúvida.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Lançamento

da Revista A Ponte n°8
no Fafi Bar, amanhã (5a feira, 29) a partir das 21:30
Rua Norvinda Pires 55, Aldeota


O Laboratório de Jornalismo (Labjor) da Universidade de Fortaleza (Unifor) lançará às 21h30, a oitava edição da revista “A Ponte”. A revista semestral teve o tema “Tempo” como pauta para as reportagens feitas por alunos da disciplina Princípios e Técnicas de Jornalismo Impresso II , sob orientação dos professores Geísa Mattos e Antônio Simões. Os alunos participaram de toda a produção da revista, que engloba pautas, apuração, redação, fotografia, edição e diagramação.

“A Ponte” já é reconhecida por sua qualidade. A sexta edição da revista ficou em 1º lugar do Nordeste na categoria revista impressa na Exposição da Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom) 2007 e ganhou o 3º lugar nacional na Expocom, realizada este ano em Santos (SP). A Expocom premia os melhores trabalhos acadêmicos feitos por estudantes de Comunicação Social do país.


segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Debaixo da Mesa

Ela se esconde debaixo da mesa. Suas duas pernas ainda mal conseguem sustentá-la, mas as quatro pernas de madeira deixam os quatro cantos do mundo do lado de fora.

Aprendeu que só podia se esconder ali desde que não profanasse seu próprio retiro espiritual, desde que não trouxesse nada do lado de fora. Um dia, levou Tomás. O barulho do pato de borracha logo fez com que umas pernas longas em cima de saltos a tirassem do seu refúgio.

- Sai daí! Assim você não vai crescer, Bia!

Com o passar dos anos, percebeu que havia escapado da maldição e que crescia sim, mas Tomás continuava do mesmo tamanho. Sem ter onde esconder a culpa, que crescia junto com ela, retornou para debaixo das quatro pernas e, com ela, esperou ali as longas pernas de saltos.

- Não acredito que você voltou com essa mania! Assim você não vai crescer, Bia!

E a culpa parou de crescer.


sábado, 24 de novembro de 2007

Cinqüenta Reais

A porta tremia e a maçaneta movia-se como que por vontade própria. O lado de fora gritava obscenidades, dessas que só são admitidas se proferidas até um certo volume. O volume era alto e ele tapava os ouvidos, sentado entre a pia e o vaso sanitário.

O chão pedia silêncio, ali não era hora nem lugar. Do teto apenas gotejava uma água escura, devido a alguma infiltração, talvez. Mas quem era ele para julgar? Dos seus olhos outrora maquiados agora saíam gotas tão ou até mais escuras que as do teto, suas mãos tremiam como a porta e, assim como o chão, desejava tanto o silêncio que faria qualquer coisa por uma surdez repentina.

Não, pensando bem, não faria. Havia dito poucas horas antes que faria qualquer coisa por cinqüenta reais. Agora as lágrimas, o catarro e o sêmen formavam uma só emulsão grotesca e pegajosa perto da boca, difícil de tirar do bigode. Os gritos do lado de fora ainda soltavam obscenidades além do volume admissível, mas não alto o bastante para quebrar o espelho do banheiro. Nele, um homem grotesco, pegajoso e difícil de tirar dali. Decidiu continuar mesmo do lado de dentro, onde é mais protegido, mais fácil de se acomodar.

Lá fora, fizessem o que fizessem, sua alma seria a fronteira.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Epicentro

Ele era feliz.

Apertos de mão, sorrisos, beijos e palavras agradáveis; tudo se resumia por si só, numa intransponível superfície por onde sua felicidade caminhava serena, a passos leves. Tão leves, tomando cuidado com cada um deles, pois não queria mover um grão sequer daquela superfície.

..sua felicidade tinha pés e passos minuciosos. Sabia que, ao se tentar mover um único grão, vem junto a ele um outro grão.. e outro.. e mais outro. Sabia disso. Sabia também que estava muito bem ali, atrelado à superfície. Temia escavar mais a fundo aquela sua terra """firme""".

Afinal, o que ele encontraria ali no fundo? Havia enterrado suas inseguranças e angústias como se fossem verdadeiros tesouros. Estavam todos ali enterrados, porém ainda a menos de sete palmos abaixo da passarela por onde seu verdadeiro tesouro cumpria seus passos minuciosos, sempre exposto ao imprevisto de um abalo sísmico, enquanto ele apertava mãos, sorria, beijava e dizia o previsível.

Ele era feliz?